Que é o judaico-cristianismo? Os verdadeiros judeus são
cristãos, deveríamos dizer verdadeiros cristãos, sem deixarem de
ser judeus, e os primeiros cristãos eram judeus. Nos últimos
cinquenta anos os avanços dos estudos relativos às origens do
cristianismo foram sem precedente. Ficou claro que o panorama do
judaísmo no século I é de uma riqueza e mesmo de uma variedade
insuspeitadas; que o Novo Testamento, que pertence ao
cristianismo primitivo, e o Antigo Testamento, em cuja história o
Novo se insere, estão ambos inseridos no contexto da religião
greco-romana da época; que a variedade das comunidades cristãs
em nada fica a dever para a das escolas judaicas, com as quais
verificam-se analogias. Há, portanto, uma espécie judaico-cristã
tanto do gênero judeu como do gênero cristão, mas o próprio
judaico-cristianismo não é um monolito. O judaico-cristianismo de
Martines é, no século XVIII, uma dessas espécies. Essas espécies
se distinguem por seu grau de judaísmo e de cristianismo, o qual se
mede pela bitola da cristologia, a crença mínima sendo a da
messianidade de Jesus, o Nazareno, e a máxima, a da admissão da
deidade (ou a divindade indecisa?) do Cristo, de Jesus Cristo - seja
ela eterna, inata ou adquirida, por exemplo, com o batismo de João
— a qual, em todo caso, não implica o dogma estrito e definitivo,
definitivamente verídico, da Santíssima Trindade.
Os cristãos de origem judia constituíram, desde o início do
cristianismo e durante vários séculos, grupos particulares dentro da
Igreja, conservando a observância dos ritos judaicos. Foi o caso da
comunidade de Jerusalém presidida por Tiago, o irmão do Senhor
e de Judas.
O judaico-cristianismo ilustra a analogia entre a diversidade do
judaísmo e a diversidade do cristianismo no século I, situando-se
na linha dos escritos intertestamentários. Nessa linha: o Filho do
Homem, que poderia não passar de um homem comum, mas que é
o homem por excelência, esperança e paradigma do homem
comum, segundo seu desejo essencial, saudoso do passado e do
futuro, os céus, os bons e os maus anjos, o espírito e os profetas
(estendendo-se este termo a personagens do Antigo Testamento
que nem sempre o portaram), o combate das trevas contra a luz, a
escatologia do perpétuo hoje e do amanhã sem amanhã.
Textos de Qumran anunciam o futuro Sefer ha-Razim e os
textos mágico-teúrgicos do século I de nossa era, vinculando-se,
por seu lado mágico, onde a carruagem se põe em marcha, à cabala
e ao misticismo judaico dos tempos modernos. Mas é de mágicoteúrgico-
místicos que devem ser qualificados todos esses textos e
todos os textos congêneres, até mesmo o ritual Cohen, a despeito
de seus respectivos alto-relevos e correndo o risco de que o
qualificativo sofra um pleonasmo ou um duplo pleonasmo. Foi
sublinhado que essa corrente do judaísmo tinha, aqui e ali,
penetrado o cristianismo, mas, desde o início, ela tinha sido
assimilada pelo judaico-cristianismo.
Ao judaico-cristianismo pertence o ebionismo, com sua
cristologia baixa. Os ebionitas são próximos de Qumran, cultivam
a angelologia e o adocionismo. Eles rejeitam a identidade ôntica
entre Deus e o homem Jesus: nem o nascimento sobrenatural nem
a preexistência ou a deidade. Jesus é um homem que se torna
Cristo e Filho. O ebionismo é o ancestral do elcasaísmo, uma
comunidade muito próxima dos essênios e dos terapeutas. Para os
elcasaítas, o Cristo é Deus, mas num sentido restrito, e Jesus se
reencarna perpetuamente. Os ebionitas e os elcasaítas são os
herdeiros extraviados do grupo apostólico.
O judaico-cristianismo foi relegado pela Grande Igreja no
século IV Ele se metamorfoseia no maniqueísmo (no país dos
partenos...) e no islã; todavia, alguns grupos subsistirão e é deste
lado ainda pouco explorado que devemos buscar a ascendência
religiosa, teosófica e teúrgica de Martines na história.
Entre os escritos judaico-cristãos, as obras do Pseudo-Clemente
nos oferecem uma transição literária entre o judaico-cristianismo e
o Tratado de Martines. Homílias e Reconhecimentos apresentam
resquício de uma corrente da época apostólica hostil a Paulo. O
dogma fundamental deles: Deus e seu profeta — profeta verídico e
genuíno, Verus Propheta — repetem-se através dos tempos, de
Adão a Jesus, passando por Moisés. Seus pilares fundamentais são
os dois Testamentos e a lei; os anjos e os demônios e todas as
almas, todos engajados na luta da luz contra as trevas. A morte e a
ressurreição de Jesus Cristo não estão no centro, mas a Sabedoria
reguladora é a alma e a mão de Deus. A Ordem de Martines
floresce na singular ramificação de um ramo relegado, condenado.
cristãos, deveríamos dizer verdadeiros cristãos, sem deixarem de
ser judeus, e os primeiros cristãos eram judeus. Nos últimos
cinquenta anos os avanços dos estudos relativos às origens do
cristianismo foram sem precedente. Ficou claro que o panorama do
judaísmo no século I é de uma riqueza e mesmo de uma variedade
insuspeitadas; que o Novo Testamento, que pertence ao
cristianismo primitivo, e o Antigo Testamento, em cuja história o
Novo se insere, estão ambos inseridos no contexto da religião
greco-romana da época; que a variedade das comunidades cristãs
em nada fica a dever para a das escolas judaicas, com as quais
verificam-se analogias. Há, portanto, uma espécie judaico-cristã
tanto do gênero judeu como do gênero cristão, mas o próprio
judaico-cristianismo não é um monolito. O judaico-cristianismo de
Martines é, no século XVIII, uma dessas espécies. Essas espécies
se distinguem por seu grau de judaísmo e de cristianismo, o qual se
mede pela bitola da cristologia, a crença mínima sendo a da
messianidade de Jesus, o Nazareno, e a máxima, a da admissão da
deidade (ou a divindade indecisa?) do Cristo, de Jesus Cristo - seja
ela eterna, inata ou adquirida, por exemplo, com o batismo de João
— a qual, em todo caso, não implica o dogma estrito e definitivo,
definitivamente verídico, da Santíssima Trindade.
Os cristãos de origem judia constituíram, desde o início do
cristianismo e durante vários séculos, grupos particulares dentro da
Igreja, conservando a observância dos ritos judaicos. Foi o caso da
comunidade de Jerusalém presidida por Tiago, o irmão do Senhor
e de Judas.
O judaico-cristianismo ilustra a analogia entre a diversidade do
judaísmo e a diversidade do cristianismo no século I, situando-se
na linha dos escritos intertestamentários. Nessa linha: o Filho do
Homem, que poderia não passar de um homem comum, mas que é
o homem por excelência, esperança e paradigma do homem
comum, segundo seu desejo essencial, saudoso do passado e do
futuro, os céus, os bons e os maus anjos, o espírito e os profetas
(estendendo-se este termo a personagens do Antigo Testamento
que nem sempre o portaram), o combate das trevas contra a luz, a
escatologia do perpétuo hoje e do amanhã sem amanhã.
Textos de Qumran anunciam o futuro Sefer ha-Razim e os
textos mágico-teúrgicos do século I de nossa era, vinculando-se,
por seu lado mágico, onde a carruagem se põe em marcha, à cabala
e ao misticismo judaico dos tempos modernos. Mas é de mágicoteúrgico-
místicos que devem ser qualificados todos esses textos e
todos os textos congêneres, até mesmo o ritual Cohen, a despeito
de seus respectivos alto-relevos e correndo o risco de que o
qualificativo sofra um pleonasmo ou um duplo pleonasmo. Foi
sublinhado que essa corrente do judaísmo tinha, aqui e ali,
penetrado o cristianismo, mas, desde o início, ela tinha sido
assimilada pelo judaico-cristianismo.
Ao judaico-cristianismo pertence o ebionismo, com sua
cristologia baixa. Os ebionitas são próximos de Qumran, cultivam
a angelologia e o adocionismo. Eles rejeitam a identidade ôntica
entre Deus e o homem Jesus: nem o nascimento sobrenatural nem
a preexistência ou a deidade. Jesus é um homem que se torna
Cristo e Filho. O ebionismo é o ancestral do elcasaísmo, uma
comunidade muito próxima dos essênios e dos terapeutas. Para os
elcasaítas, o Cristo é Deus, mas num sentido restrito, e Jesus se
reencarna perpetuamente. Os ebionitas e os elcasaítas são os
herdeiros extraviados do grupo apostólico.
O judaico-cristianismo foi relegado pela Grande Igreja no
século IV Ele se metamorfoseia no maniqueísmo (no país dos
partenos...) e no islã; todavia, alguns grupos subsistirão e é deste
lado ainda pouco explorado que devemos buscar a ascendência
religiosa, teosófica e teúrgica de Martines na história.
Entre os escritos judaico-cristãos, as obras do Pseudo-Clemente
nos oferecem uma transição literária entre o judaico-cristianismo e
o Tratado de Martines. Homílias e Reconhecimentos apresentam
resquício de uma corrente da época apostólica hostil a Paulo. O
dogma fundamental deles: Deus e seu profeta — profeta verídico e
genuíno, Verus Propheta — repetem-se através dos tempos, de
Adão a Jesus, passando por Moisés. Seus pilares fundamentais são
os dois Testamentos e a lei; os anjos e os demônios e todas as
almas, todos engajados na luta da luz contra as trevas. A morte e a
ressurreição de Jesus Cristo não estão no centro, mas a Sabedoria
reguladora é a alma e a mão de Deus. A Ordem de Martines
floresce na singular ramificação de um ramo relegado, condenado.
TRATADO DA REINTEGRAÇÃO
DOS SERES
em sua primeira propriedade,
virtude e potência espiritual
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